Apesar de sua posição privilegiada, o Brasil concentra as exportações de agro em poucos países, ficando à mercê de choques negativos na demanda dos países importadores
João Pedro Biagi, assistente de pesquisa do Insper Agro Global
Artur Arantes, assistente de pesquisa do Insper Agro Global
Claudia Cheron König, pesquisadora sênior do Insper Agro Global
Grandes choques provocados por eventos exógenos ao mercado, como a pandemia da covid-19 e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, bem como a crise energética na Europa e na China, impactaram significativamente a dinâmica do comércio internacional, exercendo influência sobre a postura estratégica de países no contexto geopolítico.
Desde o final do século XIX até o início dos anos 2000, o mundo assistiu a um rápido processo de globalização, no rastro de revoluções tecnológicas. Houve forte crescimento nos números do comércio internacional e nos fluxos financeiros entre países, e as cadeias de produção puderam aproveitar melhor princípios econômicos como vantagens comparativas e economias de escala e escopo, se tornando mais globais, o que inclui as cadeias agroindustriais e alimentares.
No entanto, eventos não previsíveis causaram instabilidade nesse sistema multilateral de relações entre países nos últimos anos, incentivando ações contrárias a esse movimento. Ao se considerar especificamente o mercado de commodities, os dois eventos recentes citados (pandemia e guerra) trouxeram à tona problemas em diferentes cadeias globais de produção e suprimento, com destaque para os relacionados à dependência de países no abastecimento de alimentos e energia. No que se refere, particularmente, ao agronegócio, insumos, grãos e outros produtos agropecuários apresentaram grande oscilação de preços, dada a alta demanda e os riscos de oferta, concentrada em poucos países exportadores.
Além disso, as mudanças do clima, a corrida para a transformação energética em direção a energias mais limpas e outras restrições na oferta dificultaram o abastecimento mundial de alimentos, culminando em inflação e insegurança alimentar, e reforçando a busca pela autossuficiência, regida por um possível processo de desglobalização.
Grande parte do mercado de commodities agrícolas do mundo depende dos fluxos de comércio internacional para seu pleno funcionamento. O consumo mundial de grãos é um exemplo, com cerca de 42% da soja, 17% do milho e 26% do trigo sendo negociados pelo comércio internacional, no qual também há uma enorme concentração, tanto de exportadores quanto de importadores.
No que diz respeito ao mercado de proteínas animais, cerca de 18% da carne bovina, 11% da carne suína e 12% da carne de frango são provenientes do comércio entre países, no qual poucos players são responsáveis pelo volume negociado.
E é a grande demanda por exportação que incentiva a produção mais eficiente e ganhos de produtividade, tornando o preço dos produtos competitivos no mercado global e trazendo como benefício a grande produção de alimentos a um menor custo. No entanto, a concentração deixa o mercado mais vulnerável a eventos inesperados de impactos locais em países que concentram a produção ou a demanda.
De forma geral, um pequeno número de países concentra volumes de comércio, dentre eles o Brasil. O país destina grande parte do volume exportado para poucos países, ficando à mercê de choques negativos na demanda dos países importadores, o que pode resultar em grandes perdas econômicas. Desses poucos grandes compradores, destaca-se a China.
Responsável por aproximadamente 35% de toda a exportação agropecuária brasileira, a China enfrenta hoje duas incertezas capazes de alterar a dinâmica global de preços: uma crise imobiliária, que já se alastra por todo o país, e uma crise hídrica alarmante na Bacia do rio Yangtzé, que, além de ser a principal região produtora de trigo, arroz e pecuária do país, também possui uma enorme geração de energia por hidrelétricas. Ou seja, o impacto da falta de chuvas vai muito além da produção agropecuária, levando ao racionamento de energia e à consequente redução da produção industrial.
Considerando a importância chinesa na participação do comércio internacional de alimentos, se a situação perdurar, tanto pela crise hídrica quanto pela crise imobiliária, deverão ocorrer impactos nos preços globais das commodities agrícolas.
Voltando o olhar para o agronegócio brasileiro, para garantir a sustentabilidade do seu crescimento, é imprescindível que se expanda a pauta de países parceiros e produtos exportados. O país deve valorizar os grandes parceiros comerciais atuais, mas também buscar novos mercados, considerando as novas demandas mundiais que exigem o fim dos problemas ambientais, como queimadas e desmatamentos, pré-requisito essencial para a manutenção da competitividade comercial das commodities agrícolas brasileiras.