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Como funciona a tecnologia que encontrou uma cidade perdida na selva

Os sensores LiDAR e as nuvens de pontos produzem imagens tridimensionais precisas, diz o professor Luciano Silva

Os sensores LiDAR e as nuvens de pontos produzem imagens tridimensionais precisas, diz o professor Luciano Silva

Imagem Lidar
Uma das áreas na Amazônia boliviana mapeadas pelos pesquisadores com o método de sensoriamento remoto LiDAR (Foto: reprodução Heiko Prümers/DAI)

 

Leandro Steiw

 

Desta vez, a ficção perdeu para a realidade. Não foram necessários os olhos de Sandra Bullock, como no filme The Lost City, para encontrar uma cidade perdida. Sem precisar embrenhar-se na floresta, pesquisadores da Alemanha e do Reino Unido usaram sensores de laser infravermelho LiDAR para mapear o sudoeste da Amazônia boliviana e gerar uma imagem 3D de assentamentos humanos construídos pela cultura Casarabe entre 500 e 1400 d.C.

Abreviação de Light Detection and Ranging, LiDAR é um método de sensoriamento remoto que usa a luz na forma de um laser pulsado para medir alcances, ou seja, distâncias variáveis até a Terra. Segundo Luciano Silva, professor dos cursos de Engenharia de Computação e Ciência da Computação do Insper, esses pulsos de luz — combinados com outros dados registrados pelo sistema aéreo — geram informações tridimensionais precisas sobre a forma da Terra e suas características de superfície.

Na descoberta recente, divulgada pela revista Nature, a detecção remota permitiu a visualização de pirâmides cônicas de 22 metros de altura, edificações retangulares e sistemas de drenagem, escondidas sob 22 quilômetros quadrados de vegetação densa. Os sensores foram instalados em um helicóptero, que sobrevoou a região a 200 metros de altitude, e produziram imagens digitais formadas, em média, por nuvens de 18 milhões de pontos por quilômetro quadrado. Aviões e helicópteros são as plataformas usuais para adquirir dados LiDAR em áreas amplas, como no caso da Floresta Amazônica.

Silva explica que o instrumento LiDAR consiste principalmente em um laser, um scanner e um receptor especializado GPS (sigla em inglês para sistema de posicionamento global). Desta vez, os pesquisadores europeus adotaram um LiDAR topográfico, que normalmente usa um laser infravermelho próximo para mapear a terra. Outro tipo conhecido é o batimétrico, com uma luz verde que penetra na água para também medir as elevações do fundo do mar e do leito do rio.

Os sistemas LiDAR enviam pulsos de luz fora do espectro visível e registram quanto tempo cada pulso leva para retornar. “A direção e a distância de qualquer batida do pulso são registradas como um ponto de dados”, diz Silva, professor das disciplinas Visão Computacional, Jogos Digitais e Introduction to Quantum Computing. “Diferentes unidades LiDAR têm métodos diferentes, mas geralmente varrem em círculo como um prato de radar, enquanto movem simultaneamente o laser para cima e para baixo.”

Depois que as leituras individuais são processadas e organizadas, os dados LiDAR se tornam dados de nuvem de pontos. As nuvens de pontos iniciais são grandes coleções de pontos de elevação 3D, que incluem as coordenadas espaciais x, y e z, juntamente com atributos adicionais, como carimbos de hora do GPS, se disponíveis. “As características de superfície específicas que o laser encontra podem ser classificadas posteriormente após o processamento da nuvem de pontos LiDAR inicial. Elevações do solo, edifícios, copa da floresta, viadutos de rodovias e qualquer outra coisa que o feixe de laser encontre durante o levantamento constituem dados de nuvem de pontos”, afirma o professor.

As nuvens de pontos são uma tecnologia de armazenamento de informações poderosa e dinâmica, segundo Silva. Ao representar dados espaciais como uma coleção de coordenadas, eles podem trabalhar com grandes conjuntos de dados para uma ampla gama de processamento downstream. Principalmente, neste caso, eles são usados como intermediários para transformar os dados brutos coletados pelos processos LiDAR em modelos 3D. No entanto, eles podem ser usados para armazenar e manipular qualquer informação espacial.

 

A espessa cobertura de vegetação na floresta tropical boliviana tornou difícil para os arqueólogos encontrarem os locais.
A densa cobertura de vegetação na floresta boliviana dificultou o trabalho dos arqueólogos

 

Objetos milimétricos

Uma nuvem de pontos 3D é uma coleção de pontos de dados análogos ao mundo real em três dimensões. “Cada ponto é definido por sua própria posição e, às vezes, cor”, diz Silva. “Os pontos podem então ser renderizados como pixels para criar um modelo 3D altamente preciso do objeto. Nuvens de pontos podem descrever objetos medindo apenas alguns milímetros ou objetos tão grandes quanto árvores, prédios e até cidades inteiras.” Além da arqueologia, o método que localizou a cidade amazônica serve com eficiência para trabalhos de levantamento topográfico, geografia, geologia, oceanografia, sismologia e engenharia florestal, entre outras áreas.

Embora o LiDAR seja uma tecnologia para criar nuvens de pontos, nem todas as nuvens de pontos são criadas usando o LiDAR, observa Silva. Outras podem ser feitas a partir de imagens obtidas de câmeras digitais, técnica conhecida como fotogrametria. A única diferença que distingue a fotogrametria do LiDAR é o RGB, sistema de cores baseado na adição de vermelho, verde e azul. As nuvens de pontos fotogramétricas têm um valor RGB para cada ponto, resultando em uma nuvem de pontos colorida. “Por outro lado, quando se trata de precisão, o LiDAR é difícil de superar”, afirma Silva.

Não estamos falando, porém, de dispositivos caríssimos. A Apple, por exemplo, instalou sensores LiDAR nos iPhones 12 e 13 e no iPad Pro de olho em produtos de realidade aumentada, tornando a tecnologia acessível aos usuários comuns. A maior parte das experiências com veículos autônomos são baseadas em sensoriamento LiDAR — exceto as da Tesla, que prefere as câmeras para direcionar os seus carros sem motorista.

 

Milhares de digitalizações

O professor comenta que nem todos os projetos exigem o mesmo nível de precisão, por isso é sempre bom pesquisar antes de decidir qual método funciona melhor. “O tempo de aquisição e o tempo de processamento devem ser levados em consideração. Os fatores envolvidos aqui incluem a escala de varredura necessária, a precisão dos detalhes necessários e como os resultados da varredura devem ser usados”, diz.

Silva explica: “Saber a localização precisa de um scanner é essencial para produzir dados utilizáveis. Isso ocorre porque os scanners a laser (como o GPS) são funcionalmente limitados a medições de linha de visão. Para mapear um espaço físico complexo, normalmente são necessárias várias varreduras para obter cobertura suficiente para o processamento downstream. Dependendo do tamanho do projeto, o número necessário de digitalizações pode chegar a centenas, senão milhares”.

As mudanças na forma como o processamento da nuvem de pontos é realizado estão reduzindo significativamente o custo da realização de um levantamento 3D, avalia o professor. Para projetos externos de baixa precisão e grande escala, isso está sendo fornecido por dados posicionais GNSS (sigla em inglês para sistema global de navegação por satélite).

“Projetos de alta precisão se beneficiaram do desenvolvimento de uma nova tecnologia de processamento de nuvem de pontos em vários estágios, que fornece registro automatizado e acelerado de várias varreduras sem o uso de alvos. É algo que vale a pena investigar antes de encomendar uma pesquisa”, afirma.

Os avanços estão abrindo a capacidade de capturar dados espaciais em uma nuvem de pontos para um número cada vez maior de projetos. Outra percepção que se reforça é a de que nenhuma invenção é capaz de prescindir de outras. “Sem a tecnologia de nuvem de pontos, o LiDAR não seria capaz de realizar seu enorme potencial de crescimento. Um é totalmente dependente do outro”, diz Silva.

 

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