Quando o assunto é transformação digital no setor público, o Brasil está bem posicionado em relação a outros países. Sua nota se mostra acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo um ranking elaborado pela própria organização, que reúne os países mais ricos do mundo. O Brasil se encontra em 16º lugar no ranking global, duas posições à frente da Estônia, famosa por suas ações de digitalização dos serviços públicos.
O Brasil é, de fato, pioneiro em esforços para empregar tecnologia digital na melhoria de serviços públicos. A urna eletrônica começou a ser utilizada em 1996. O Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União, surgiu em 2004. Essa é uma estratégia produtiva, porque tanto melhora o atendimento ao cidadão como faz o Estado funcionar de forma mais eficiente.
“A transformação digital muda como o governo funciona”, diz Manuel Bonduki, professor do Insper e innovation fellow no Ash Center for Democratic Governance and Innovation da Harvard Kennedy School. “Ela pode levar o Estado a entender melhor as necessidades do cidadão, antes mesmo de ele ter que solicitar o serviço”
Por exemplo: após uma cidadã dar entrada em um hospital público para ter um filho, o município já automaticamente identifica a necessidade de uma vaga de creche dali a 120 dias, o tempo previsto por lei para a duração da licença maternidade, e já prepara a marícula. Assim, ela não precisa passar pelo desgaste de preencher um cadastro, com um recém-nascido em casa, às vésperas de retornar ao emprego. “Essa postura proativa, e não reativa, melhora a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos”, diz o professor.
A capacidade de oferecer serviços públicos, para 211 milhões de habitantes espalhados por 8,5 milhões de quilômetros quadrados, foi colocada à prova durante a pandemia. O auxílio emergencial, por exemplo, alcançou quase 68 milhões de pessoas, pouco menos de um terço da população brasileira, e foi distribuído de forma digital. Mas ainda há muito a avançar, lembra o professor Bonduki. “Usar um aplicativo como estratégia principal de solicitação do auxílio emergencial pode ter excluído quem mais precisava. A tecnologia não pode ser um fim em si mesma.”
O aumento da eficiência proporcionado pela digitalização leva também a uma redução nos custos. Um relatório sobre o assunto, elaborado pelo governo federal em 2018, lembra que o custo do atendimento online costuma ser substancialmente menor em comparação com o atendimento presencial.
O estudo cita uma estimativa do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão apontando que o atendimento presencial tem um custo médio de R$ 43,68, enquanto o atendimento online pode chegar a R$ 1,20, o que representaria uma economia de mais de 97% em recursos públicos por transação. Seguindo esse raciocínio, a digitalização contínua do atendimento ao cidadão poderia representar uma economia da ordem de R$ 6,3 bilhões ao ano.
A análise considera que as tecnologias digitais possuem um duplo papel em relação ao Estado: “Ao mesmo tempo em que potencializam ganhos de eficiência e novos e melhores serviços, ameaçam a capacidade de coordenação social do Estado, caso ele não acompanhe as demandas sociais que lhe são dirigidas”. Em outras palavras, não apenas é uma demanda desejável, como também é fundamental para alcançar todas as camadas de uma sociedade que utiliza cada dia mais serviços digitais.
O estudo do governo afirma que, além de proporcionar serviços melhores, a mais pessoas e a um custo mais baixo, a digitalização pode aumentar a transparência e o controle social das atividades estatais e ampliar a participação social na formulação das políticas públicas. Com relação à transparência, diz o documento, “processos digitais permitem um acompanhamento mais transparente e meticuloso do atendimento. Também possibilitam canais de resposta, análise de satisfação e melhores métricas para gestão”.
Esse é um ganho extremamente relevante para a sociedade, pontua o professor do Insper. “Quando os dados e os processos são disponibilizados, a imprensa consegue auditar, a população pode entender. Assim, o governo se torna mais aberto e quem está fora entende o que acontece lá dentro”.
A redução de custos proporciona um ganho adicional, diz o especialista. “Um Estado que não precisa transitar papel de um lado para o outro tem um ganho de eficiência na realização de suas tarefas, com automatização de ações que hoje em dia são feitas de forma repetitiva. Assim, o Estado pode se reorganizar apoiado em servidores que se veem liberados para agir de forma proativa, buscando soluções inovadoras focadas nas pessoas.”
O Brasil avança na transformação digital dos serviços públicos e colhe os benefícios do investimento nessa estratégia, reconhece o professor Bonduki. Mas, em sua análise, falta uma integração maior entre as esferas federal, estadual e municipal. Para ficar no exemplo da mãe que tem uma filha em um hospital público: o que acontece se a instituição for estadual e não houver um compartilhamento de informações com a creche municipal?
“A falta de integração entre esferas é uma fragilidade do Brasil”, diz Bonduki. “Nos últimos anos, o governo federal avançou muito na digitalização, em linha com os países mais avançados do mundo, mas muitas dessas conquistas ainda não chegam à esfera municipal, que oferece boa parte dos serviços públicos que atendem de fato os cidadãos”. É crucial, aponta ele, que estados e municípios contem com maior suporte federal nessa direção.
“Entre estados e municípios, a situação é desigual. Uns avançaram muito mais na digitalização do que outros. Uma alternativa é os municípios pequenos atuarem em grupo, recorrendo a soluções já desenvolvidas em outros locais, já que a digitalização oferece soluções escaláveis, que podem ser replicadas em outros locais.” Com o cuidado de conciliar o atendimento digital com o presencial, sempre que ele for necessário. “Não podemos nos esquecer da parcela da população que não tem acesso a serviços digitais”, diz o professor.
Seria uma forma de o Brasil avançar e assim se aproximar ainda mais dos líderes globais em transformação digital, segundo a OECD. Pela ordem, são eles: Coreia do Sul, Reino Unido, Colômbia, Dinamarca, Japão, Canadá, Espanha, Israel, Portugal e França.
Tradicionalmente envolvido com a formação de líderes do setor público, o Insper está com inscrições abertas para uma nova turma do curso de curta duração Inovação e Transformação Digital no Setor Público. Ao longo do programa, os estudantes partem de um panorama das tecnologias e dos artefatos da transformação digital e seus impactos na sociedade e nos estados para construir uma visão sistêmica das oportunidades e desafios para os governos.
Os participantes também discutem a gestão da mudança e o papel das lideranças na transformação, compras públicas de inovação, habilitadores da transformação digital, e como usar os dados para tomar melhores decisões, respeitando a segurança e privacidade dos cidadãos.
Na pós-graduação lato sensu, o Insper oferece o Programa Avançado em Transformação Digital, um curso com formação robusta em Gestão, Operações e Tecnologia para liderar equipes ágeis em diversos processos de negócios digitais.